Não nos esquecemos: Pela reposição das freguesias

O Bloco de Esquerda apresentou e fez aprovar por unanimidade, em reunião de câmara, uma moção para que se pressione os orgãos competentes a avançar com o processo de reposição de freguesias. Temos muito apreço pelos movimentos de cidadãos que por todo o país, e particularmente no nosso concelho, não desistem da justa reivindicação de recuperar a sua freguesia. Consideramos que está mais que na hora de corrigir erros grosseiros da legislação em vigor e, como tal, a alteração à lei deverá ocorrer a tempo de efetivamente entrar em vigor nas próximas eleições autárquicas.

No sistema administrativo português, as freguesias são consideradas o nível autárquico de base, consagradas como autarquias locais no artigo n.º 236 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Sendo os órgãos de administração pública mais próximo dos cidadãos, têm uma importância primordial porque representam o Estado na primeira linha da resolução de problemas básicos.

As freguesias são um espaço fundamental de afirmação de identidade coletiva, de representação política e de debate democrático e as suas raízes são muito profundas. Em tempos ligados à igreja e ao culto religioso, tornaram-se Juntas de Freguesia em substituição das Juntas de Paróquia através da Lei nº 621 de 23 de junho de 1916.

É certo que durante décadas do Estado Novo os atos eleitorais para este órgão estavam restringidos aos escolhidos pela ordem social, tanto enquanto eleitos quanto como eleitores.  E o modo de funcionamento dos eleitos estava moldado pelo quadro de competências e atribuições que a tutela ditatorial lhes concedia, funcionando as freguesias como uma espécie de delegações locais do poder central.

Com o 25 de abril dá-se a emancipação do poder local e abre-se uma democracia de proximidade como motor de infraestruturação do país. As freguesias, nestes quase 47 anos de democracia local, tiveram sempre um papel determinante na consolidação da relação de apego ao território com sentido de pertença e de identidade.

As freguesias constituem verdadeiras comunidades políticas nas quais as populações se sentem representadas, criando espaços de interligação e de legado cultural que estimula a vivencia social e coletiva na defesa de objetivos muito concretos. 

Esta salutar relação de convivência democrática de raízes intergeracionais, sofreu um forte derrube em 2013 com a aplicação de medidas de corte levadas a cabo pelo então governo da Troika após a assinatura do Memorando de Entendimento, o que se constituiu como o maior ataque em tempo de democracia ao poder local. Foram extintas 1.168 freguesias e reduzidos 20.000 eleitos. O nosso concelho a perda de freguesias significou a passagem de 6 para 4. No entanto, na realidade desapareceram 4 Freguesias autónomas, porque das 6 existentes agora temos 2 Uniões e 2 Freguesias sem agregação.

Acresce dizer que os objetivos da Reorganização Administrativa do Território das Freguesias, constante da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio e levado a efeito por aplicação da Lei nº 11-A/2013 de 28 de janeiro, em nada foram concretizados. A terminar dois mandatos de execução, constata-se que o determinado pela famigerada reorganização não atingiu os propósitos para qual foi criada, na medida em que não promoveu maior proximidade entre os níveis de decisão e os cidadãos, não valorizou a eficiência na gestão e afetação dos recursos públicos, não melhorou a prestação do serviço público nem reforçou a coesão e complementaridade territorial.

Na grande maioria das agregações fundidas na figura administrativa de Uniões de Freguesias, a implicação direta foi a de gerar uma conflitualidade social que implicou uma perda de solidariedade, contribuindo decisivamente para a diminuição de participação cívica e falta de motivação para o trabalho coletivo da comunidade. A aludida reforma, feita a “régua e esquadro” a partir dos gabinetes centrais, que já nem os partidos de suporte governamental à época (PSD e CDS) defendem, tem necessariamente de ser revertida, até porque existe um vazio legal sobre a matéria.

Fizeram-se manifestações locais, regionais e nacionais de forte mobilização, aprovaram-se moções de contestação em Assembleias de Freguesia e Assembleias Municipais de muitos concelhos do país, criaram-se movimentos locais e plataformas nacionais de recuperação das freguesias e o efeito desta expressiva contestação foi continuamente ignorado pelo governo anterior e atual. Em 2015 o PS inscreve no seu programa eleitoral a reversão desta legislação, no entanto, foi continuamente protelando a sua efetivação.

Para as autárquicas de 2017 nada foi feito com o argumento de que não houve tempo de aprofundar a matéria e que era mais premente encetar um processo de descentralização com nova atribuição de competências às freguesias e municípios. De seguida não foi possível porque a prioridade política voltou-se para as eleições legislativas. Durante o ano de 2020 a prioridade foi a de eleição dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Sobre a matéria em questão fizeram-se sucessivos adiamentos de anúncios de entrega do diploma legislativo, justificados com desculpas de atraso nas negociações com as organizações representativas das autarquias (ANMP e ANAFRE). Todo este arrastado processo culminou com uma proposta de lei do governo entregue na Assembleia da República a 28 de dezembro, apresentada com o preceito de que já não há tempo de debater para aprovar a tempo das próximas eleições autárquicas.  

É no mínimo estranho, ou mesmo caricato, que ao fim de quase 5 anos de anunciadas conversações, esteja agora a ser debatida uma proposta de lei que poderá ter efeitos práticos daqui a mais de 4 anos.

O BE tem muito apreço pelos movimentos de cidadãos que por todo o país, e particularmente no nosso concelho, não desistem da justa reivindicação de recuperar a sua freguesia. Consideramos que está mais que na hora de corrigir erros grosseiros da legislação em vigor e, como tal, a alteração à lei deverá ocorrer a tempo de efetivamente entrar em vigor nas próximas eleições autárquicas.

É este restauro democrático, este dever social, que importa considerar. A consolidação do serviço público de proximidade prestado às populações, tem nas freguesias uma referência incontornável de promoção da coesão social e territorial.

Assim a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, reunida em sessão ordinária do dia 17 de fevereiro de 2021, ao abrigo do artigo 25.º, n. º 2, alíneas j) e k) do anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, delibera:

  1. Recomendar à Assembleia da República que desenvolva rápida e eficazmente o processo legislativo, de forma a estabelecer um novo regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias;
  2. Instar os órgãos da República para que se avance com o processo legislativo de modo a permitir   a reposição das freguesias que manifestem vontade de se desagregarem das atuais Uniões de Freguesia, a tempo das próximas eleições autárquicas.